sexta-feira, 25 de abril de 2014

O Método Christie - COMO ENGANAR O LEITOR DIREITINHO


... E SIMPLESMENTE ADORAMOS ISSO!!!


caricatura de Agatha Christie
Se Agatha Christie vivesse nos tempos atuais e resolvesse enveredar pela moda dos livros que ensinam como fazer tudo você mesmo, certamente o seu best seller teria um título parecido com: Como Enganar o Leitor com Pistas Falsas, ou Como Fazer o Mais Esperto Leitor de Bobo, ou algo parecido.

Bem, pensando melhor, Agatha Christie, que foi uma verdadeira dama e a própria gentileza, jamais aprovaria o segundo título que sugeri. Mas, cá entre nós, não é bem assim que você se sente ao final do livro, quando Hercule Poirot ou Miss Marple expõem as pistas – que estavam todas lá! – relembram os fatos – que também estavam todos lá! – e traçam um raciocínio lógico e óbvio para a solução do crime?

Ficamos todos nos perguntando: mas como eu deixei passar isso e aquilo? Ou exclamando: puxa vida, é claro! Algumas pessoas que eu conheço juram que descobriram o criminoso antes do final. Hum, bem, eu não sou uma delas – e nem nunca fui! Porém, como costumam fazer praticamente todos os leitores de Agatha Christie, acreditamos que no próximo livro vamos vencer. Afinal, a esperança é mesmo a última que morre! Mas quando o mistério vai ficando mais denso e mais intricado, quando aquele personagem que juramos que é o culpado é repentinamente assassinado, ou quando alguma reviravolta inesperada qualquer ocorre, nos vemos mais uma vez irremediavelmente emaranhados na teia cuidadosamente tecida pela Rainha do crime. E simplesmente adoramos isso!


obs: O ensaio a seguir NÃO contém ending spoiler.

Todas as fotos são puramente ilustrativas.


OS MISTÉRIOS NÃO TEM SEGREDOS

Mas como será que ela consegue? A resposta não tem mistérios: porque Agatha Christie é mestra em sua arte. E o que podemos apreender desta arte, ou seja, do método utilizado pela escritora para bolar enredos que mexem com os nervos e os neurônios dos leitores de tão ricos em mistérios? A resposta para esta pergunta também é mais simples do que se imagina.

Muitos estudiosos se debruçaram sobre a obra de Agatha Christie na tentativa de desvendar seu método de criação de estórias com mistérios intricados, e muitas análises críticas altamente interessantes – porém complexas – surgiram.

Em contrapartida, eu pretendo aqui neste artigo simplificar bastante as coisas – bem ao estilo de nossa Rainha – e destacar apenas 2 elementos cruciais em suas estórias de crime e mistério: as pistas e o culpado, e a partir deles, apontar apenas 2 aspectos basilares de seu método. 

1- AS PISTAS:

1.1 - UM SHOW DE MÁGICA

Em primeiro lugar, Agatha Christie sempre joga limpo com seus leitores. Isto significa que as pistas são sempre fornecidas; o problema é que nós é que falhamos em reconhecê-las como tal, ou seja, não damos a devida importância às pistas que, sim, nos são apresentadas.

É muito comum as pessoas chegarem ao final do livro e voltarem alguns capítulos, ou até relê-lo, na intenção de localizarem as tais pistas que deixaram passar da primeira vez. E sempre as encontram em alguma passagem, perdidas, disfarçadas.

E aí que entra a habilidade nº. 1 de Agatha Christie: sua capacidade de desviar nossa atenção da alta relevância das pistas, que na verdade estão bem diante de nós. Algo assim como um mágico com dedos ágeis, fazendo desaparecer moedas e notas bem debaixo de nossos narizes e aparecerem flores. Aparentemente de forma distraída, porém, na verdade, inteiramente de propósito, a escritora disfarça as pistas verdadeiras em meio a outros acontecimentos que funcionam como pistas falsas, nos enganando, tais quais as hábeis mãos do mágico.


1.2 - AGULHAS NO PALHEIRO

E como se não bastasse a capacidade em disfarçar as pistas importantes, Agatha Christie inunda o leitor com fatos diversos, os quais, por sua vez, apontam para outras tantas pistas em potencial, de modo que acabamos nos confundindo e nos enrolando com tantas possíveis pistas espalhadas diante de nós.

Resultado: a habilidade nº 2 da Rainha do Crime. Somos conduzidos por ela ao ponto em que, diante de tamanho emaranhado, não conseguimos mais distinguir as boas pistas, que levam à solução do caso, daquelas irrelevantes. É exatamente como se, a cada enredo bolado pela escritora, tivéssemos que encontrar uma agulha no palheiro!


2- O CULPADO:

2.1 - UM ROSTO NA MULTIDÃO

Golconda (1953) do pintor René Magritte
O mesmo princípio da agulha no palheiro referente às pistas quentes, as quais nos conduzem à solução do mistério, se aplica a identificação do culpado. Divisar uma certa pessoa, sozinha ou em um grupo formado por poucas outras, em um campo, em uma rua ou em uma sala é fácil. Todavia, como encontrar uma determinada pessoa em especial em uma multidão, como em um show de rock ou em um estádio de futebol? E, para dificultar ainda mais, como fazê-lo se você nem sabe direito quem ou como a pessoa é, e se esta pessoa se esforça ao máximo para se esconder de você?

Agatha Christie jamais economiza na quantidade de suspeitos em suas estórias – e esta constitui sua habilidade nº 3. Os possíveis culpados vão emergindo a cada página nos primeiros capítulos e se acumulando, enquanto nós, ávidos e pobres leitores, vamos nos perdendo na multidão.

Com tantos culpados em potencial, tornam-se bem reduzidas as chances de perseguirmos o verdadeiro criminoso desde as primeiras páginas. Trata-se de uma questão simples de probabilidade. E, como nos ensinou Albert Einstein, a verdadeira genialidade é sempre simples!


2.2 - ESQUELETOS NO ARMÁRIO

Aí então um sujeito mais cético que ainda não leu nenhum livro da escritora diria: “Ah, é impossível que tantas pessoas diferentes possam ter um motivo aceitável e crível para ter assassinado uma mesma vítima em particular!”

E outro, um ávido leitor da Rainha do Crime (e secretamente irritado por ter sido tantas vezes gentilmente ludibriado pelas tramas de Agatha Christie): “Ah, mas não importa se aparecem tantos suspeitos. Basta irmos logo eliminando aqueles obviamente mais improváveis.”

Bien, bien, não tão depressa, mes amis! – como diria Hercule Poirot.

Primeiramente, não há culpados improváveis. Não apenas nos livros de Agatha Christie, mas em toda boa literatura de crime e mistério, o atrativo mais instigante reside no fato de que o mais improvável e desapercebido personagem acaba sendo o criminoso.

Em segundo lugar – e aqui vem a habilidade nº. 4 da escritora – Agatha Christie toma o cuidado em criar tramas nas quais de fato várias pessoas possuem, sim, motivos perfeitamente coerentes e justificáveis para terem sido o criminoso em questão. Deste modo, praticamente qualquer um pode ser o assassino ou o criminoso.

Consequentemente, à medida que a estória se desenrola, torna-se cada vez mais difícil eliminar personagens cuja responsabilidade pelo crime teria ficado completamente fora de questão. Ao contrário do que se espera e do que normalmente ocorre em outros romances policiais, nas obras de Agatha Christie, ao passo que o enredo progride, todo mundo parece esconder algum esqueleto no armário, como se diz na expressão inglesa, ou seja, tem alguma culpa no cartório!

Como uma experiente maestrina movimentando sua batuta, somente na hora H a escritora permite que certos suspeitos sejam eliminados de nossa lista, apresentando os devidos argumentos e justificativas para tanto, tal qual um compasso afinado. Até que no desfecho, com uma trilha sonora imaginária ao som de rufar de tambores, as pistas boas nos são destacadas, os fatos coerentes nos são lembrados e o verdadeiro criminoso nos é finalmente apontado.


NINGUÉM ESCAPA DO LABIRINTO ERGUIDO
POR AGATHA CHRISTIE

Normalmente, nós não damos a devida importância às pistas apresentadas, pois em geral somos desprovidos das células cinzentas tão aguçadas de Poirot ou dos olhos sagazes e da experiência de vida de Miss Marple. E até mesmo estes dois muitas vezes se deixam iludir por algum artifício e não se dão conta do quão significativas certas pistas são.

Julia McKenzie como Miss Marple

São aqueles episódios em que Miss Marple gentilmente declara:
Creio que eu tenho sido grandemente estúpida;

David Suchet como Poirot
enquanto Poirot, aborrecido, brada:
Mas eu tenho sido um imbecile, mon ami, um imbecile!

E com isso nos confortamos em ver que até mesmo os dois detetives geniais acabam por vezes tontos e perdidos nos meandros do labirinto habilmente erguido pela Rainha do Crime.

Gerações após gerações, países e mais países, culturas diferentes de outras culturas: todos nós compartilhamos da mesma experiência: cedo ou tarde, todos somos enganados e feitos de bobo pelos mistérios engendrados pela da Rainha do Crime – e não apenas uma, porém várias vezes.

E simplesmente adoramos isso!!

8 comentários:

  1. é por isso que eu adoro reler os livros de Agatha, para confirmar que estava tudo lá, eu é que não tinha visto...ela é genial , sem comparação...

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    1. Realmente genial, não é mesmo? E, como eu disse acima, ela sempre joga limpo!

      Um dos meus principais focos de estudo - e uma das minhas maiores diversões! - é fazer a análise crítico literária da obra de Agatha Christie, como, por exemplo, o que publiquei neste artigo. Fico super feliz que o pessoal tenha gostado de ler a respeito. Assim, em breve publicarei mais resumos de trabalhos de pesquisa acerca de outros aspectos do Método Agatha Christie. Aguardem!

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  2. Professora, sou apaixonada pela Agatha e quero completar minha coleção de livros. Existe alguma lista com Obra completa dela aqui no blog? Abraços!

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    1. Olá! Veja aqui mesmo nesta página, à sua direita, em uma coluna de cor mais escura (marrom), onde há vários itens. Logo abaixo de "Pesquisar este blog" vem o título de outro item: "Páginas + Sites + Blog Amigos". Na lista deste item, o 2° é exatamente a LISTAGEM DAS OBRAS DE AGATHA CHRISTIE. Clique nele e você vai direto para a página desta Blogazine com minha listagem pessoal, organizada pelos títulos das obras no original, em português, e pela data de lançamento!
      Abraços,
      Christy.

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    2. Que bom que gostou, Gabriel! Em breve publicarei outros artigos revelando aspectos do método utilizado por Agatha Christie para construir suas estórias. Por favor, aguarde!!

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    1. Que bom que gostou, Gabriel! Em breve vou publicar mais artigos falando do método utilizado por Agatha Christie para construir suas estórias. Aguarde!!!

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