domingo, 21 de setembro de 2014

O Método Christie - ARIADNE CONTA TUDO (parte 1) sobre a ARTE DE ESCREVER e a CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS


AS  CONFISSÕES  VELADAS  DE  AGATHA  CHRISTIE


David Suchet como Hercule Poirot e Zoe Wanamaker como Ariadne Oliver


Você pode até não ser um grande fã de Mrs. Ariadne Oliver, a famosa escritora de romances policiais, amiga de Hercule Poirot e viciada em maçãs, criada por Agatha Christie – e a qual, a propósito, muitos acreditam ser esta personagem uma versão autobiográfica da própria Rainha do Crime (veja detalhes no artigo: Mrs Oliver seria a própria Agatha Christie?  (http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2013/07/quarta-e-dia-de-last-but-not-least.html )

Mas, sendo você um admirador de Agatha Christie, não pode negar que, através das falas de Mrs. Oliver, a escritora nos passa algumas de suas impressões sobre o mundo, as pessoas, as coisas em geral. E, o mais interessante, Agatha Christie nos revela ideias e visões sobre a vida e sobre o que seria o trabalho de uma escritora de romances policiais! 


DE UMA ESCRITORA PARA OUTRA



Agatha Christie


Todos nos encantamos com o método Christie para conceber estórias de crime e mistério. Mas Dame Agatha nunca escreveu um tratado sobre a arte de conceber romances policiais. É através da voz de Mrs Oliver que obtemos – supostamente – algumas pistas sobre os pensamentos de Agatha Christie sobre seu ofício. Ou, talvez, sobre justamente o contrário: como ela acreditava que não se deveria escrever romances policiais e detetivescos, uma vez que muitas das observações de Mrs Oliver são, digamos, polêmicas e controversas. Afinal, seja uma coisa ou outra, com Agatha Christie, nunca se sabe: algo pode parecer ser de um modo, mas também pode se revelar no final das contas ser uma coisa completamente diferente!

Sabendo disso, Bill Peschel, autor de Writers Gone Wild (2010, Penguin Press) e de vários romances anotados de Agatha Christie e Dorothy L. Sayers, teve uma ideia daquelas que você fica se perguntando: Por que eu não pensei nisso antes?, e reuniu uma coletânea destas frases de Mrs Oliver, separadas por tema. Bom trabalho! Congratulando Bill Peschel pela ótima ideia, dou início aqui a uma série de artigos nos quais apresento algumas passagens de Ariadne Oliver, organizadas em tópicos dentro da temática do árduo trabalho de uma escritora de romances policiais, e devidamente comparadas ou ligadas a alguma situação semelhante na vida de Agatha Christie. 

obs: Repito: tire você suas próprias conclusões!


ARIADNE OLIVER  &  A ÁRDUA ARTE DE ESCREVER



O que Agatha Christie pensava sobre...

A CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS



Zoe Wanamaker como Ariadne Oliver

obs: Semelhante a Agatha Christie, cujo famoso detetive, Hercule Poirot, era belga, Sven Hjerson, o detetive criado por Ariadne Oliver, não era inglês: era finlandês.

Só lamento uma coisa - fazer do meu detetive um finlandês. Eu realmente não sei nada sobre os finlandeses e estou sempre recebendo cartas da Finlândia apontando algo impossível que ele tenha dito ou feito. Eles parecem ler bastante histórias de detetive na Finlândia. Acho que são os longos invernos sem luz do dia. Na Bulgária e na Romênia eles parecem não ler. Eu teria feito melhor se o tivesse criado uma búlgaro. 

(Cartas na Mesa, 1936)


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obs: Assim como ocorre com Hercule Poirot, que despreza a comida inglesa e tem hábitos alimentares peculiares, Sven Hjerson, o detetive criado por Ariadne Oliver, era vegetariano.

Mas eu realmente não sinto que é certo fazer dele um vegetariano, querida, Robin discordava. Muito caprichoso da parte dele. E definitivamente não é glamouroso

Eu não posso fazer nada, disse Mrs. Oliver obstinadamente. Ele sempre foi um vegetariano. Ele leva consigo uma pequena máquina para ralar cenouras cruas e nabos.

Mas Ariadne, querida, por quê?

Como eu sei?, Disse Mrs. Oliver irritada. Eu sei lá por que eu imaginei aquele homem revoltante? Eu devia estar louca! Por que um finlandês se eu não sei nada sobre a Finlândia? Por que um vegetariano? Por que todos os maneirismos idiotas que ele tem? Essas coisas simplesmente acontecem. Você tenta algo - e as pessoas parecem gostar disso - e então você vai em frente - e antes que você saiba onde você está, você tem alguém assim enlouquecedor como Sven Hjerson vinculado a você para a vida. E as pessoas ainda escrevem e perguntam o quanto você deve gostar dele. Gostar dele? Se eu encontrasse aquele esquelético e desengonçado comedor de vegetais finlandês na vida real, eu cometeria um assassinato melhor do que qualquer outro que eu já inventado. 

(A Morte da Sra. McGinty, 1952)



Zoe Wanamaker como Ariadne Oliver


obs: Agatha Christie já foi criticada como sendo fria e insensível por ter criado estórias onde uma criança ou uma jovem e bela mulher ou um belo rapaz são assassinados, bem como por ter atribuído a culpa a justamente uma jovem e bela mulher ou um belo homem.

Eu acredito agora que ela o tenha feito. É sorte que isso não tenha ocorrido em um livro. Eles realmente não gostam quando a garota jovem é quem cometeu o crime. 

(Cartas na Mesa, 1936)


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obs: Inúmeras vezes perguntaram a Agatha Christie se ela utilizava pessoas conhecidas em suas estórias, assim como lhe questionavam quem seria Miss Marple e Hercule Poirot na vida real. No trecho a seguir, Mrs Oliver explica a seu amigo Poiot como uma pessoa totalmente desconhecida pode lhe servir de inspiração para a criação de um personagem.

Não é porventura verdade dizer, madame, que você reproduz as pessoas em livros, às vezes? As pessoas que você encontra, mas não, eu concordo, as pessoas que você conhece. Não haveria diversão nisso.

Você está certo, disse Mrs. Oliver. Acontece assim, quero dizer, você vê uma mulher gorda sentada em um ônibus comendo um bolo de groselha e seus lábios estão se movendo enquanto ela come, e você pode ver que ela ou quer dizer alguma coisa a alguém ou está pensando em um telefonema que vai fazer, ou talvez uma carta que vai escrever. E você olha para ela e você estuda seus sapatos e a saia que ela usa e seu chapéu e adivinha a idade dela e se ela tem um anel de casamento e algumas outras coisas.

E depois que você sai do ônibus. Você não pretende vê-la nunca mais, mas você tem uma história em sua mente sobre alguém chamado Sra Canaby que está indo para casa em um ônibus, tendo feito uma entrevista muito estranho em algum lugar onde ela viu alguém em uma lanchonete e lembrou-se de alguém que ela só tinha conhecido uma vez que ela tinha ouvido falar que estava morto e, aparentemente, não está morto. 

(Noite das Bruxas, 1969)



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