sábado, 10 de janeiro de 2015

PERSONAGENS que também AMAMOS - A CULPA NÃO É DO MORDOMO!


GEORGE, O VALETE DE POIROT



David Yelland como George e David Suchet como Poirot


Por volta de 1937, Hercule Poirot se muda de seu antigo apartamento para outro redecorado no mesmo prédio, parecendo novinho em folha, conforme ficamos sabendo em Cartas na Mesa. 

Poirot fica satisfeitíssimo com a reestruturação pela qual o prédio passou, com alterações significativas (Os Relógios). 

Miss Lemon, por sua vez, que havia se desapontado com o sistema de arquivamento existente, o qual considerava desordenado (Treze à Mesa), se aposenta ou pede demissão, porém, não antes de construir uma mini-versão de seu próprio sistema para o novo escritório da Poirot como um presente de despedida

Em consequência da saída de Miss Lemon, Poirot contrata um valete de nome George (Seguindo a Correnteza), que vai acompanhá-lo quase até o fim, uma vez que em Cai o Pano, última aventura de Poirot, ficamos sabendo que George teve que ir ao encontro de um parente adoentado.

E assim dá-se início a uma longa relação de .... amizade? Talvez. De companheirismo? Pode-se dizer que sim. De trabalho dedicado e fiel. Esta, sem dúvidas!



COMPETENTE, ESNOBE, SEM IMAGINAÇÃO



David Yelland como George



Nos livros escritos por Agatha Christie, ao papel de George é dada muito menos importância do que aconteceu na já clássica série de TV britânica Poirot. Graças aos produtores da série, George, ou Georges, como lhe chama Poirot, finalmente ganhou um rosto no imaginário dos fãs, através da ótima interpretação do ator David Yelland.

Todavia, tanto nos livros como na série, George aça se tornando um personagem contrastante com o simpático e às vezes ingênuo Capitão Hastings, o fiel amigo de Poirot.

George é geralmente considerado como um valete inglês clássico, um mordomo competentíssimo:

Encontrou o imperturbável George a passar calças a ferro. (O Mistério do Trem Azul)


... um esnobe incorrigível, com alto senso de divisão das classes sociais e grande conhecimento da aristocracia:

- Creio, George, que tens bons conhecimentos da aristocracia inglesa? - perguntou-lhe.
- Creio que posso responder que sim, monsieur – murmurou George, como se pedisse desculpa desses conhecimentos.


... além de ser inteiramente desprovido de imaginação!

- O esquilo, meu bom George, armazena nozes. Se quisermos que a humanidade valha alguma coisa, meu amigo, devemos aproveitar as lições que nos dão as criaturas que nos são inferiores no reino animal.
Eu fui também, meu bom George, esquilo. Armazenei fatozinho aqui, fatozinho ali... e agora vou ao “armazém” e retiro determinada noz, uma noz que guardei...  Compreende-me, George?
- Nunca pensei, senhor, que as nozes se conservassem durante tanto tempo, embora saiba que se conseguem maravilhas no campo das conservas...
Poirot olhou-o e sorriu.



INTENSAMENTE INGLÊS

...MAS, O QUE ISSO QUER DIZER?



David Yelland como George



Ao descrever George, assim o define Agatha Christie:

George era um indivíduo de rosto insípido, intensamente inglês. (O Mistério do Trem Azul)

Mas o que isso quer dizer exatamente?

Talvez intensamente inglês queira dizer que George não era dado a muita conversa e, com toda certeza, menos ainda a intimidades com seu patrão, não importa por quanto tempo tenham trabalhado juntos ou que tipo de situações tenham vivenciado.

Quaisquer palavras que pudessem ser substituídas por certo tipo de olhar, uma tossidinha ou um limpar de garganta oportuno poderiam ser consideradas como um excesso.

- Suponho que já lhe disseste que estou ocupado com um assunto importante e que não posso ser incomodado, não é verdade?
George voltou a tossicar.
- Declarou-me que viera da província propositadamente para falar-lhe e que não se importava de esperar. (Seguindo a Correnteza)


E mesmo as palavras ditas pelo valete eram cuidadosamente escolhidas ou carregadas de alguma inflexão que poderia significar um discurso inteiro.
Ah, e havia também as pausas. Sim, porque uma pausa colocada em um determinado lugar no meio das raras palavras poderia ter o valor de mil frases.

O criado não comentou a observação e, após pausa conveniente, perguntou:
- O paletó castanho, senhor? Está um ventinho fresco... (O Mistério do Trem Azul)



DESCREVENDO OS FATOS COM  PRECISÃO


Talvez, intensamente inglês refere-se ao seu oficio de mordomo, no qual se inclui servir a seu senhor da melhor maneira possível. E, no caso de Poirot, a ordem, o método e a precisão são requisitos indispensáveis a qualquer um que trabalhe consigo.

Haja vista o fato de Poirot confiar plenamente na alta capacidade de George descrever uma pessoa, da forma mais precisa possível.

Seu criado George se aproximou e murmurou deferentemente:
- Está lá fora uma senhora que deseja falar-lhe.
- Que espécie de senhora? informou-se prudentemente Poirot, que apreciava sempre a meticulosa precisão das descrições de George.  (Seguindo a Correnteza)



UM OUVINTE LEAL



David Suchet como Poirot e David Yelland como George


Talvez ainda, intensamente inglês queira dizer que George sabia perfeitamente como se portar dentro do papel de leal ouvinte e comentarista coerente.

- Um dia agradável, George, um pouco fatigante, mas não sem interesse.
George ouviu o comentário com a habitual cara de pau.
- Ainda bem, senhor. (O Mistério do Trem Azul)

Sim, porque a lealdade de George para com seu senhor estava acima de qualquer suspeita. Isso se refletia no hábito de Poirot de discutir alguns pormenores de seus casos com seu valete. E os comentários de George não raro eram bem apreciados por Poirot.

- A personalidade de um criminoso é interessante, George. Há muitos criminosos que possuem grande encanto pessoal.
- Sempre ouvi dizer que o doutor Crippen era um cavalheiro de falas agradáveis, e no entanto cortou a mulher aos bocadinhos.
- Os teus exemplos são sempre edificantes, George.



É SEMPRE BOM SABER O PORQUÊ DAS COISAS


O fato é que George, por mais intensamente inglês que seja, e Poirot, por mais belga que seja, desenvolveram uma relação de lealdade e admiração mútuas. Da parte de Poirot, admiração com um tom de curiosidade:

- Tens uma grande experiência, George - comentou Poirot. - Às vezes admiro-me de que, depois de viveres tão exclusivamente com famílias titulares, tenhas descido a ser meu criado... Atribuo-o a amor da aventura da tua parte... (O Mistério do Trem Azul)


Da parte de George, admiração com ares de esnobismo:

- Não se trata exatamente disso, senhor – esclareceu George. - Por acaso lera nas Crônicas Sociais que monsieur fora recebido no Palácio de Buckingham, e como andava a procurar novo emprego... As notícias diziam que Sua Majestade fora muito bondosa e cordial consigo e tinha em grande conta a sua competência...


E o que melhor poderia definir uma verdadeira amizade do que ser uma relação de lealdade e admiração mutuas? Cada um a sua maneira, George e Poirot tornaram-se mesmo dois grandes e bons amigos. Afinal, como conclui Poirot:


- É sempre agradável saber o porquê das coisas - comentou o detetive.





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